Tilt visitou o laboratório do Google e conta como chegamos ao computador quântico que pode mudar a história
Não adiantou apelar para o Google Maps. Quem usava o app para achar o laboratório do Google em Santa Bárbara, na Califórnia, é levado inevitavelmente para uma clínica dentária. Acostumada com o engano, a recepcionista diz aos desavisados sem sequer interromper uma conversa por telefone: “Google? Saia do prédio e vire à esquerda”.
Apesar de escondido nos fundos de um quarteirão da cidade a 150 km de Los Angeles (EUA), o laboratório foi o palco de uma revolução no mundo da computação. Foi ali, atrás das paredes cor de papelão, que dezenas de experts em física teórica, ciência da computação e engenharia conseguiram criar o primeiro computador quântico a executar uma tarefa impraticável pelo mais poderoso dos computadores tradicionais. Isso é a tal da supremacia quântica, que até então só existia nos livros.
Tilt visitou o lugar logo após o anúncio que fez o termo sair da teoria e virar realidade —e renovar as esperanças de que um dia a humanidade vai chegar mais perto de resolver nossos grandes problemas até então incalculáveis.
De cara com o lustre quântico
Pelas portas de vidro da recepção do laboratório, já dá para ver os pesquisadores trabalhando em uma área com diversos computadores. Cinco metros mais para dentro, você cruza uma porta dupla, constantemente fechada, e é jogado em uma sala ligeiramente mais fria que a anterior. Dentro dela, estão as estrelas do lugar: cinco computadores quânticos — quatro deles em pleno funcionamento. Eles foram os responsáveis por atingir a supremacia quântica.
Esqueça tudo o que você sabe sobre computadores. Estas máquinas dificilmente poderiam ser colocadas dentro gabinetes e sobre mesas de escritório. Elas têm quase dois metros e ficam suspensas por meio de uma armação de metal. São protegidas por uma “panela gigante” de alumínio.
O segredo, porém, é bem pequeno. Está no chip Sycamore, que permite “desligar” a interação entre dois qubits vizinhos.
Como um dos computadores não estava ativo, foi possível ver o que há dentro do panelão. São sete andares, sustentados pela estrutura de metal que fica no topo. Parece um lustre — a semelhança é tanta que a IBM, que trabalha com a mesma lógica, chamou uma de suas máquinas de “chandelier”.
Essa configuração serve para que a máquina suporte e mantenha o frio, que vai diminuindo de cima para baixo, e transmita a informação até os três chips quânticos, que ficam na base, o ponto mais gelado do universo.
Dentro do recipiente prateado, a temperatura beira os -273ºC, ou seja, o zero absoluto — ali é mais frio do que no espaço. Só assim para fazer os qubits (bits quânticos) presentes nos chips ali dentro, sossegarem e se preocuparem apenas em processar dados.
O físico teórico John Preskill, professor do Instituto de Tecnologia da Califórnia que inventou a expressão “supremacia quântica”, costuma explicar que os qubits são tão pequenos que só de olhar para eles já causa uma perturbação, que desalinha o sistema e faz com que todo o resultado produzido tenha de ser descartado. Essa perturbação é causada, por exemplo, pela aproximação de outro qubit.
Para contornar esse problema, as partículas foram estabilizadas com refrigeradores conectados por meio de cabos supercondutores —fios capazes de transmitir eletricidade sem gerar calor— a equipamentos eletrônicos que usam tecnologia digital, por onde os comandos são inseridos. É por isso que a máquina é cheia de fios —são cerca 2.000 deles, todos conectados cuidadosamente.
Como resfriar completamente a geringonça leva dois dias inteiros, um fio errado, e lá se vão seis dias de trabalho (dois para o primeiro resfriamento, dois para esquentar a máquina a fim de fazer a correção e outros dois para esfriar novamente).
Garantir esse ambiente estável foi fundamental para o avanço feito pelo Google. Quanto mais qubits juntos, mais imprevisíveis e instáveis eles são. Mas é exatamente o aumento da quantidade que garante maior poder de processamento. Para driblar esse beco sem saída, a empresa elaborou o chip Sycamore com um design que permite “desligar” algumas interações entre os qubits, de modo que eles fiquem menos ouriçados indevidamente.
Fonte: Computador quântico do Google: visitamos o laboratório onde ele foi construído (uol.com.br)